quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Um depoimento: TELHADOS DE VIDRO

      A Telhados de Vidro surgiu em Novembro de 2003, graças ao esforço conjunto de Inês Dias, Manuel de Freitas e Olímpio Ferreira. Foi o Olímpio, há que dizê-lo, quem deu rosto e personalidade gráfica a esta revista. E é por respeito ao seu trabalho – e in memoriam – que temos mantido as sóbrias mas eficazes (e belas) opções gráficas que o Olímpio connosco partilhou.
      O primeiro capista foi, obviamente, o Luis Manuel Gaspar – amigo desde a primeira hora e responsável, também, pelo logotipo da Averno (um dedo que aponta um caminho, mesmo que isso doa, um dedo ferido mas que insiste em escrever – interpretem-no como quiserem). A ideia inicial, à qual temos sido fiéis, é escolher um artista diferente para a capa de cada número – com a explícita condição de que a imagem escolhida nunca tenha sido anteriormente impressa em livro.
      A Telhados de Vidro, desde o primeiro número, escolhe previamente os colaboradores. Trata-se, muito simplesmente, de uma questão de gosto (o da direcção, claro) e de uma recusa em convidar autores que não respeitemos quer enquanto artistas, quer enquanto pessoas. Não existe, portanto, nem uma poética minimamente comum nem a veleidade de constituir qualquer programa, movimento ou tendência. Existirá, isso sim, uma ética semelhante: os autores até aqui incluídos na revista têm uma clara aversão ao espectáculo cultural, à pornografia mediática, às ânsias festivaleiras. Com registos e idades muito diversas, os autores que foram comparecendo na Telhados de Vidro são a prova evidente de que esta não é, ao contrário do que um cretino escreveu, «o órgão teórico oficial do grupo dito dos “poetas sem qualidades”». Ainda que à revelia da direcção – que não vai em grupos, e teorias, então, só se estiverem muito bem sentadas -, duvidosamente Hölderlin, Marcial, Rui Nunes, Louise Glück, Herberto Helder, Ana Teresa Pereira, António Barahona ou Rosa Maria Martelo se reveriam nesse rótulo grosseiro. Até porque, sublinhe-se, a Telhados de Vidro não é uma revista de poesia; é uma revista, apenas, com espaço para a prosa, a tradução, o ensaio, a recensão.
      Interessa-nos, acima de tudo, uma certa liberdade (já que a «liberdade livre» é, para nós, demasiado utópica). E, por isso mesmo, não temos periodicidade obrigatória, nem qualquer apoio financeiro exterior. É ainda em nome dessa precária mas possível liberdade que não fazemos números temáticos. Cada autor por nós convidado pode escrever sobre o que bem lhe apetecer, e da forma que lhe parecer melhor. Cumpre-nos, depois, fazer a revisão, a edição, a distribuição. E colocar a revista onde a sabemos desejada – e apenas aí, pois já tivemos calotes e imposturas mais do que suficientes.
      O número 1 da Telhados de Vidro tinha 96 páginas; o mais recente tem 184 páginas. Não crescemos, nestes oito anos, em ambição ou visibilidade. Cresceram, tão-só, alguns afectos – que conduziram a outros afectos e modos de escrita. Foi (está a ser) um fenómeno natural, de afinidades que se vão estabelecendo. O facto de esta ser uma revista de amigos – que jantam ou sofrem juntos, que se preocupam uns com os outros, que se admiram reciprocamente – é algo que não nos incomoda nada. Já temos, lá fora, inimigos que cheguem.



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